quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O Caminho da Verdade


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Edição limitada








sábado, 26 de maio de 2012

Morte

MORTE

...E por fim chega a morte.
A morte é a maior injustiça na vida humana. É a maior injustiça porque é
imprevisível e é irreversível. É o fim total e absoluto. É o silêncio, a inexistência,
o nada.
A morte é a maior certeza da vida. É a certeza que causa mais angústia. É
a principal causa da nossa inquietude. É o nosso maior mistério. É aquela contra
a qual lutamos toda a vida sabendo de antemão que um dia seremos vencidos
por ela. É a nossa maior derrota.
A morte é uma coisa simples e facilmente compreensível — mas dificilmente
aceitável.
Não haveria vida se não houvesse morte — embora dificilmente se compreenda
o sentido da vida sabendo que há a morte. Mas o facto é que a natureza
é assim e nós nascemos dela, e independentemente da nossa vontade e conceitos
de justiça, é a ela que temos que obedecer, simplesmente porque não
temos alternativa.
A morte é o fim. E só tem fim o que tem início. Só o que existe tem fim
— morre. A morte é o fim do que existiu com vida por ter como inicio o nascimento.
Tudo o que nasce tem vida, e tudo o que tem vida morre. Da mesma
forma como tudo o que não nasce não tem vida e não morre, ainda que exista.
O que existe sem vida não morre, ainda que tenha fim. Considera-se que morre
o que existe com vida artificial, mas a morte só é aplicada correctamente ao
que existe com vida natural, porque só o que é natural nasce.
Toda a nossa vida tem como principal objectivo não morrer. Só depois de
salvaguardarmos a vida nos preocupamos que ela seja agradável e construtiva.
A luta pela sobrevivência é a principal causa dos movimentos de todos os
seres vivos, e dos humanos como tal, ainda que disso dependa a vida de outros
seres vivos. Para sobreviver é natural ter que matar.
É a maior certeza da vida porque tudo o que vive morre. E os seres
humanos, como todos os animais e plantas nas mais diversas espécies e composições
orgânicas, todos morrerão mais cedo ou mais tarde, conforme o tempo
médio de vida de cada espécie por atingir limite de idade, ou conforme a
sobrevivência durante a vida por satisfazer ou não as necessidades básicas
vitais, e sofrer ou não acidentes.
A enorme angústia causada pela morte deve-se ao facto da morte poder
acontecer a qualquer momento, sem qualquer aviso prévio, e por razões das
mais diversificadas. Pode-se morrer por inumeráveis razões porque a vida é
demasiado frágil. O ser humano é composto por um conjunto de órgãos e funções
vitais que funcionam interligadas, e basta quebrar uma delas para acontecer a morte,
que pode ser instantânea. Essa característica fragiliza a vida provocando
nuns as mais diversas fobias causadas pelo próprio medo da morte
[tanatafobia], e provocando noutros a desmotivação, apatia, indolência e incúria,
porque, se a vida pode acabar a qualquer momento não encontram motivação
para investirem nela.
A injustiça de que a morte se reveste sente-se ao saber que todos morremos
— condenáveis e virtuosos; ao saber que não sabemos como — não
podendo evitar sofrimento; ao saber que não sabemos quando — para projectarmos
o futuro seleccionando o que podemos e queremos fazer naquele tempo,
e para nos despedirmos dignamente da vida; ao saber que é irreversível e
não podemos voltar para corrigir erros, e tudo o que éramos deixamos de ser
para sempre, e tudo o que tínhamos e gostávamos fica para sempre, e os outros
que nos eram próximos ficam sem nós para sempre e ficam tristes porque partimos
sem termos avisado... É demasiado injusto.
A morte é também o maior mistério para os humanos, porque o facto dos
que viveram connosco, dos que foram a razão natural e sentimental da nossa
existência, o facto deles partirem para sempre, e de simplesmente nos abandonarem,
é triste demais para ser verdade. Para atenuar essa tristeza houve a
necessidade de dar um novo sentido à morte, e desde os tempos mais imemoriais
a morte existe envolvida nos mais diversos significados, com rituais místicos,
religiosos e tradicionais, cada um com a sua mitologia, e quase todos
com componentes espirituais: para uns, a “alma” ou qualquer analogia, que se
gerou com o corpo irá para um estado permanente de sofrimento ou de plenitude,
conforme o comportamento em vida; para outros, a alma abandona o
corpo e nasce noutro, andando de corpo em corpo até atingir a plenitude; para
outros, a alma que foi atribuída a um corpo regressa ao seu estado sublime inicial;
para outros a alma que se separa do corpo regressará um dia a ele; para
outros será o corpo a iniciar nova vida noutra dimensão; para outros, será a
obra realizada em vida que imortalizará a sua existência. Estas e muitas outras
formas de encarar a morte são atenuantes, mas nunca anulam o sofrimento,
tanto para quem vai morrer como para quem vê os outros morrerem — salvo
naturalmente as excepções de culto à morte — porque a morte, por muita fé
que se tenha numa continuidade da vida é sempre uma passagem para o desconhecido.
Para o desconhecido quando se tem fé e se acredita em mais alguma
coisa, porque quando não se tem e se racionaliza, a morte continua a ser
uma passagem, mas é uma passagem para a inexistência, para o nada...
E essa é que é a verdade. Todos os misticismos e sentidos religiosos atribuídos
à morte foram atribuídos por vivos enquanto vivos. Ninguém depois de
morrer contactou os vivos para dizer o que era a morte. Todos os relatos de
contactos com mortos, com entidades de outros mundos, com antepassados,
com entidades divinas, etc; são todos irreais, são todos imaginados, sonhados,
fantasiados ou iludidos.
Ninguém consegue racionalmente qualquer tipo de contacto para além da
própria natureza. O sobrenatural é pura invenção humana. Todos os contactos
relatados ou são lendas de mitos antigos, que ninguém vivo presenciou —
podem ser inventados — ou se são relatados pelos próprios videntes, acontecem
sempre num estado de consciência que não é normal, racional ou de vigilância
— acontecem em sonhos, em estados de doença, com o sistema nervoso
excessivamente deprimido ou excitado, com alucinogéneos, em transe, etc; —
e quando são presenciados por muitas pessoas, ou são acontecimentos naturais
ainda não científica e racionalmente explicados, ou são alucinações, colectivas
e individuais — porque todos vêm uma coisa mas cada um vê à sua maneira
— ou são ilusões produzidas por alguém ou pela natureza.
Todos estes relatos são considerados do além porque nós, consciente e
racionalmente, não os conseguimos explicar. São então usados para fortalecer
as crenças de que existe algo mais para além de nós e que pela morte passamos
para esse conhecimento. Mas o facto é que mesmo assim ninguém — psicologicamente
saudável — quer morrer. Quem deseja morrer tem graves problemas
na vida e simplesmente quer acabar com tudo — e isto realmente a
morte proporciona, o fim de tudo, do sofrimento e dos prazeres.
A morte é o fim total e completo. Não existe mais nada para além dela.
Morrer é deixar de viver a única vida que temos, porque só se vive uma vez.
Quando morremos acabamos para sempre. Deixamos de existir e tudo o que
éramos tudo deixamos de ser, de uma vez por todas e para sempre.
Os relatos do além são relatos do aquém. São relatos do nosso inconsciente.
Tudo o que nós criamos para o além e para a morte são criações à nossa
imagem e semelhança, e são os nossos desejos. Era assim que nós gostaríamos
que fosse para a vida ter mais sentido. E gostávamos tanto que até conseguimos
provas. Mas são provas falsas. A ciência começa a dar os primeiros
passos na descoberta do nosso inconsciente, do nosso cérebro e da nossa mente.
É lá que está tudo. É lá que tudo, deste e do outro mundo, se produz. E
produz-se sem limites. O homem é um ser racional e consciente. Só raciocinando
com consciência evolui, no entanto, tem também um enorme inconsciente,
que deve compreender já que não consegue dominar. E não consegue
dominar porque antes de ser racional é animal, produto da natureza como
todos os outros animais, e dela nasceu, dependente dela vive, e a ela regressará
quando morrer — muito naturalmente.
Para um homem nascer tem que haver vida anterior. A vida é um fio
natural transmissível através da concepção, e quando uma pessoa morre, a
vida fica através dos descendentes. No momento da concepção, uma nova e
única célula é criada a partir de duas metades de duas células (uma do pai e
outra da mãe). Essas duas células são prévia e aleatoriamente divididas a
meio. Cada novo ser, herda metade de tudo o que a mãe era e metade de tudo
o que o pai era, e com essas duas metades forma-se a si próprio no interior do
corpo da mãe, pois a nova célula concebida vai-se multiplicando imparavelmente
dando origem ao novo ser.
Quando nasce, o bebé é apenas um animal protegido pelos mais velhos.
Durante o crescimento as células reproduzem-se em grande número dando
origem a novos tecidos, cada vez maiores, mais resistentes e mais complexos.
As células de tecidos anteriores morrem para dar origem às novas e mais
adaptadas. Cada grupo de células tem características específicas para formar
os diferentes órgãos e funções. As células cerebrais são determinantes na formação
da mentalidade e personalidade durante o crescimento. É nestas que
assenta a memória, a mente e todas as características de humanos, incluindo a
espiritualidade. Todas as criações artificiais — linguagem, cultura, religião...
— são originadas nestas células e por elas são mantidas. Da mesma forma,
todas as atribuições à morte a elas se devem. Cada célula vive de algumas
horas a alguns anos, conforme as características do tipo a que pertencem, entre
as várias dezenas de tipos existentes. Quando o corpo atinge a idade adulta, a
reprodução de células diminui porque visa apenas o mantimento do corpo vivo
e saudável. O envelhecimento inicia-se quando o nascimento de novas células
é inferior à morte de outras, e começam a morrer células que não são substituídas.
Os tecidos começam-se a atrofiar e a sua funcionalidade diminui.
Começa-se a morrer devagar. O número de células vivas vai diminuindo, mas
mantém-se suficiente para que o corpo esteja vivo durante muitos anos. Até
que a sua reprodução é fraca ou nula e cada vez morrem mais. E acabam por
não serem suficientes para manterem activo o órgão, tecido, fluido ou função
de que são constituintes, e se esse elemento for vital, todos os outros param,
ainda que as suas células estejam funcionais. E morre-se.
A morte natural, biológica, não é um momento exacto. Tal como a seguir
ao nascimento existe crescimento, também antes da morte existe decrescimento.
O momento que é considerado como separação entre a vida e a morte é
discutível, mas só por razões sociais, legais ou filosóficas — não biológicas.
No passado recente considerava-se que uma pessoa morria quando o
coração parava, parando também a respiração. Mas as novas tecnologias
médicas conseguem fazer respiração e circulação sanguínea artificial. E considera-
se que um corpo passa de vivo a cadáver após a morte do cérebro. Quando
uma pessoa está em vida vegetativa, ligada a uma máquina, é porque tem
falta de células em alguma parte, que não lhe permitem viver, mas a máquina
substitui essas células. E quando sai viva da máquina após a recuperação dessas
células e diz que ouvia tudo, é porque as células que o permitiam não morreram.
As narrativas que muitas pessoas contam por estarem quase mortas e
que consideram do além, apenas são do seu inconsciente.
As máquinas levantam questões morais quanto à morte, mas após a paragem
cardiovascular ou após a paragem cerebral, o certo é que, quando se considera
que uma pessoa está morta, ela não está totalmente morta, ainda que
não possa mais regressar à vida.
Num cadáver as unhas e os pelos continuam a crescer — ainda existe
vida e existirá durante alguns dias, mais ou menos, conforme se morrer. Se a
morte for por velhice, as restantes células morrerão mais rapidamente. Se for
por doença, dependerá da doença. Se for por acidente, e com um corpo saudável,
demorará mais tempo, principalmente se for na juventude, porque as células
se reproduzem mais, podendo até reproduzir-se após a morte clínica ou
cerebral. Por essa razão se fazem transplantes de órgãos, que continuam vivos,
com a maior parte das células vivas, apesar de separados do corpo.
A morte total e real só acontece alguns dias mais tarde. Da mesma forma
que antes de nascermos já temos vida — intra-uterina — também depois de
morrermos ainda temos vida — celular.
O corpo nasce naturalmente pelos progenitores — pela semente que os
progenitores adultos concebem — transmite a vida exactamente pela concepção,
e volta à natureza pela morte. As células uma vez mortas são expelidas do
corpo quando este tem vida, e quando o corpo morre, as células, que acabam
todas por morrer, são consumidas pela natureza, ainda vivas, servindo de alimento,
ou mortas, como matéria orgânica — porque o corpo morto é biodegradável.
Mas o grande enigma da morte no homem não é propriamente o seguimento
do corpo, mas o seguimento do espírito. O espírito humano, tudo o que
o homem tem de psicológico, só existe porque existe o corpo. E existe alojado
exactamente nas células cerebrais do corpo, que são as células mais desenvolvidas
da natureza. O conjunto de células que existe no cérebro é o mais complexo
que há e é nele que está o espírito humano.
Quando uma criança nasce não tem mentalidade nem personalidade. As
células cerebrais dela começam por formar o inconsciente e depois o consciente.
As faculdades mentais de racionalidade só mais tarde surgirão. Com o
crescimento e maturidade do cérebro nascerá a segunda metade do ser humano
e ficará completa a dualidade corpo-espírito. Só tem espírito quem tem consciência.
Uma pessoa que não viva em consciência não reconhece a existência
do espiritual, porque se não pensa não sabe que existe. Assim, é a consciência
que cria o espírito, como cria muitas outras realidades humanas. E é com a
morte das células cerebrais, em conjunto com a morte de todas as outras células,
porque todo o corpo é só uma unidade, que a consciência deixa de existir.
Toda a existência espiritual é criada pelo cérebro no seu estado de consciência,
só possível nos humanos devido ao seu desenvolvimento. Os animais não
têm espírito porque o cérebro deles não lhes permite terem consciência, e sem
consciência não há espírito. Quando uma pessoa dorme, desmaia ou é anestesiada
totalmente, fica inconsciente, e enquanto está inconsciente não fala, não
raciocina, não sente, não respeita, não tem sensibilidade e bom senso, não se
alegra e não chora, não tem vaidade nem orgulho, não tem fé nem piedade,
não tem dignidade e não sente amor nem ódio, nem paixão e nem medo, numa
palavra, não vive nada do que é humano. E quando sonha, delira, está sonâmbula
ou qualquer coisa do género, apenas são manifestações do seu inconsciente,
pois ela não sabe que o faz e quando acordar de nada se recordará. Se
ninguém presenciar ou se, entretanto morrer, nunca saberá o que disse ou fez.
Quando as células do cérebro começam a morrer, começa também a morrer
a memória, a consciência, o espírito e a alma. Cada célula cerebral que
morre é um bocadinho da nossa existência espiritual que morre. Se morrermos
por velhice, podemos já em vida ter grandes deficiências cerebrais — falhas
de memória, distúrbios de personalidade, etc. — e poderemos ficar inconscientes
— em coma — durante muito tempo. Se morremos por doença, podemos
ficar inconscientes antes ou no momento da morte. Se morremos, subitamente,
por acidente, poderemos ainda ter acesso à consciência após [durante]
a morte. Tudo depende do tempo que passar desde que morram as primeiras
células cerebrais até que morram as últimas. Pode-se morrer lentamente
durante muitos anos, ou em alguns segundos, ao ser cortada a irrigação sanguínea
ao cérebro. Lenta ou súbita, a morte tem de passar pelas seguintes
fases: vida-consciência-semiconsciência-inconsciência-morte. Se a morte
acontecer lentamente, perdemos lentamente a consciência, e com ela perdemos
lentamente o espírito, o psicológico e a “alma”, sem darmos por isso. Se a
morte for súbita parece sentirmos a consciência a perder-se, a separar-se do
corpo, encontrando-nos num estado semiconsciente em que parece sentirmos
perder o corpo. E realmente perdemos. Vamo-nos distanciando do corpo até
que deixamos de o ver porque deixamos de existir. Morremos. Mas se os primeiros
socorros, ou a nossa força vital nos reanimarem antes de perdermos
totalmente a consciência, sentimos o regresso ao corpo e à vida, e com uma
verdadeira história do além para contar. História idêntica a muitas dos tóxicodependentes
e dos transcendentalistas.
A alma, o além, e tudo o que de espiritual temos são produções da nossa
consciência, fundamentadas também na inconsciência. E quando morremos
deixamos de ter consciência e inconsciência e tudo isso morre connosco.
O que fica da nossa vida são as nossas obras, as recordações que os
outros têm de nós, os nossos descendentes e as nossas coisas, mas que desaparecerão
ao fim de poucas gerações, se nós formos normais.
E a morte, como tudo na vida, também tem o lado bom: é o fim de todos
os sofrimentos e de todas as preocupações. Os nossos inimigos e opositores
também morrem, porque independentemente de todas as capacidades possíveis,
na morte todos somos iguais, todos igualmente morremos. É a justiça
fatal. E quando alguém morre, se é pobre e doente, liberta os outros de preocupações,
e se é rico e poderoso, liberta aos outros as heranças de milhões.
Porque na morte, como na vida, por serem da natureza, também nada se
perde, e também tudo se transforma. E a nossa consciência, de prova da nossa
existência, transforma-se em prova da nossa inexistência.

domingo, 18 de março de 2012

Momento


MOMENTO


Para além de todas as descrições técnicas e científicas que o caracterizam
e definem, o momento é também de uma forma mais abstracta, o mais pequeno
espaço de tempo possível. Tão pequeno que o seu termo acontece logo a
seguir ao seu início.
Tudo o que acontece está sujeito a regras de natureza temporal. Tudo tem
um princípio e um fim, embora muitas vezes poderão não ser determinados. E
tudo existe no tempo, como existe durante determinado espaço de tempo.
Entre o princípio e o fim, tudo pode ser subdividido em espaços de tempo
mais pequenos. Por exemplo, na construção de uma casa, podemos ter como
inicio os alicerces e como fim a pintura, no entanto, o telhado, as portas, os
azulejos e a electricidade, também tiveram por si um principio e um fim. São
as partes que uma vez unidas formam o todo.
De subdivisão em subdivisão podemos atingir a divisão máxima, aquilo
que já não se pode dividir. Aquilo que do princípio ao fim forma um todo
indivisível. — Uma página escrita contém parágrafos que se dividem em frases.
Se dividirmos uma frase a meio esta deixa de o ser. Mas uma frase divide-se
em palavras. Se dividirmos uma palavra a meio esta deixa de o ser. Mas
uma palavra divide-se em letras. Se dividirmos uma letra a meio esta deixa de
ser. Mas uma letra divide-se em traços curvos e rectos. Se os dividirmos
mudam de forma e de tamanho. Passam a ser pontos e tudo o mais que a técnica
conseguir.
Cada momento é uma parte indivisível que uma vez unida aos seus pares
formam um todo, que por sua vez passa a ser novo momento e assim sucessivamente.
No mundo objectivo este funcionalismo é facilmente reconhecível porque
tudo é relativamente permanente, visível, medível e palpável. No mundo
subjectivo das ideias também facilmente se chega às mesmas conclusões —
uma história, uma recordação ou uma ideia, tem sempre uma linha de continuidade
psicológica graças à nossa capacidade de memória. Mas...
Existe um momento que é único, não se repete, não tem continuidade,
dura aproximadamente três segundos, e está presente em nós sempre que nós
sabemos que estamos presentes em algum lado: é o momento consciente.
A nossa consciência funciona em momentos de três segundos em média.
Tudo o que acontece em mais de três segundos necessita de mais momentos
de consciência, e tudo o que acontece em menos de três segundos necessita de
um momento de três segundos de consciência, ou fica desconhecido.
Tudo o que passa pela nossa consciência, quer no sentido do mundo exterior
para o cérebro (observar uma ave), quer no sentido inverso, do cérebro
para o mundo exterior (descrever a ave), passa repartido em momentos de três
segundos.
Este espaço de tempo é o exigido pela nossa natureza para que o nosso
cérebro seja capaz de registar ou produzir conscientemente qualquer dado. É o
tempo necessário para que qualquer som, imagem, cheiro, etc; viaje desde a
recepção pelos órgãos sensores do corpo — olhos, ouvidos, etc. — até que
sejam gravados na memória, ou inversamente, desde que qualquer ideia seja
produzida no cérebro até ser exteriorizada por palavras ou actos.
Exceptuando as horas em que dormimos e as horas em que por doença ou
acidente ficamos inconscientes, toda a nossa vida em que estamos vigilantes, é
uma continuidade de momentos conscientes. Momentos que podem existir
singularmente, quando apenas registamos um dado (um toque de campainha
de porta, por exemplo), ou agrupados em ordem cronológica e de significados,
formando as ideias.
Por exemplo, para o leitor conseguir compreender estas linhas, terá que ir
dividindo as palavras em grupos, de forma a avançar para o grupo seguinte
apenas quando tiver memorizado — ou consciencializado, ou compreendido
— o grupo anterior. Devido a essa necessidade, é que a linguagem, quer escrita
quer falada, obedece a regras de pausa — pontos e vírgulas, etc. Mas, se
durante a leitura deste texto, algo exterior acontecer (o bater de uma porta, por
exemplo), só podem acontecer duas coisas: ou o leitor interrompe a leitura e
usa pelo menos um momento (aproximadamente 3 segundos) para registar na
memória esse facto de uma forma consciente, ou continua a leitura sem registar
conscientemente esse facto. Mas neste caso, se não usar um momento após
a leitura para registar o facto que ainda está semiconsciente, o mesmo ficará
registado apenas inconscientemente. E o leitor ficará confuso ao reparar que a
porta antes aberta se encontrava depois fechada.
Porque cada momento consciente necessita de três segundos, e em três
segundos podem acontecer à nossa volta uma infinidade de acontecimentos
simultaneamente. Apenas consciencializamos um. Mas inconscientemente
todos ficam registados, e, só num acesso ao inconsciente (sonhos, êxtase, delírios,
etc.), os podemos rever, e podemos ou não trazer ao consciente conforme
a sua sincronia com este. Pois o inconsciente funciona aleatória e expansivamente,
enquanto que o consciente funciona lógica, racional e ordenadamente.
Quando nada acontece, como o nosso cérebro não pára, registará momentos
de imaginação e fantasia, ou de apatia e nulidade, conforme a estimulação.
A falta de informação forma um cérebro incompleto e o excesso de informação
forma um cérebro confuso. A cada um caberá saber a quantidade de
informação necessária para que o seu cérebro funcione em equilíbrio, porque
cada momento consciente é temporalmente relativo a cada cérebro conforme
as capacidades neuro-bio-psicológicas.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mentira

MENTIRA


Para mal de muitos e bem de outros tantos, a mentira é uma existência tão real quanto a verdade. Mentira e verdade são as duas faces da mesma moeda, uma sem a outra não existe.
A mentira entende-se normalmente pela forma caracterizada por La Palisse como sendo “aquilo que não é verdade”. Mas a mentira é muito mais que isso.
Existe a realidade, que é tudo o que existe independentemente do nosso conhecimento e compreensão, e existe a mentira e a verdade, que são as duas formas de nós descrevermos a realidade.
Um facto concreto simples é fácil de descrever. Se a descrição for feita numa linguagem compreensível e coincidente com esse facto, isso é uma verdade. Pois quem não o presenciou pode ter conhecimento exacto dele através da linguagem. Mas se a descrição for feita igualmente numa linguagem compreensível, mas de forma não coincidente, isso é uma mentira, pois quem não o presenciou não teve conhecimento do mesmo, e por agravante, teve conhecimento de um facto que não foi real.
A mentira é assim, uma descrição incorrecta da realidade, que pode ser total ou parcial, da mesma forma que a verdade é uma descrição correcta da realidade. Assim, para existir a mentira, como a verdade, é necessária a existência de uma linguagem. Sem linguagem é impossível mentir. Desta forma, só os humanos são capazes de mentir como de falar verdade porque só eles possuem linguagem. Linguagem que apesar de muitas fórmulas produzida, e sempre um conjunto de símbolos que reunidos e compostos, são capazes de descrever de uma forma teórica, uma realidade concreta. E por ser possível descrever teoricamente uma existência real, também é possível descrever o que não existe.
A mentira, tal como a verdade, é fruto da linguagem que o homem inventou para teorizar tudo o que o rodeava. E as teorias que foram criando as verdades e as mentiras, desde as efémeras às milenares, tiveram origem nos seus autores, individuais ou colectivos, que por sua vez as criaram fundamentados em dois principais aspectos: o conhecimento da realidade, e o interesse na sua descrição. Quem não conhecer totalmente a realidade não a pode descrever total e correctamente, e, quem conhecer totalmente a realidade, mas lhe convier que não seja total e correctamente descrita, pelos mais diversos motivos, não a descreve total e correc-tamente.
Só há então uma fórmula de concluirmos se uma coisa é verdade ou mentira: testando nós próprios. Pondo à prova todos os conhecimentos que adquirimos e esclarecendo todas as dúvidas que se apresentam perante a nossa consciência.
Nenhum ser humano tem uma capacidade mental capaz de abarcar todo o conhecimento. Por isso, nenhum ser humano é capaz de conhecer toda a verdade. E ainda que conhecesse, essa verdade era só a verdade dele, a forma como tudo teorizava ou como descrevia a realidade. Mesmo ensinando a verdade a alguém, esse alguém teria por sua vez que a testar para a confirmar.
Assim, cada ser humano deve seleccionar as interrogações para as quais deseja encontrar respostas, que lhe sejam mais importantes para viver. E separar a verdade da mentira ao comparar a realidade com a sua própria consciência. A consciência está mais próxima da realidade quanto mais racional for. Quanto mais exacta for a descrição da realidade, maior é a verdade.
Ao acreditarmos em alguma coisa, aceitamos como verdade a descrição que alguém, definido ou não, nos faz da realidade. Como essa descrição não é por nós confirmada, porque nos limitamos a acreditar, podemos estar a ter como verdade uma coisa que é totalmente falsa, ou mentira.
Existem coisas que estão para além dos nossos conhecimentos, e que não conseguimos descrever correctamente. O facto de não as descrevermos correctamente não significa que sejam mentira ou verdade. Negar ou crer nesses factos não testados é errado. A evolução humana ensina-nos que cada vez vamos conhecendo mais a realidade, podendo cada vez mais fazer uma melhor descrição dela, de forma a sabermos cada vez mais o que é verdade e o que é mentira. No entanto, quanto maior for a nossa capacidade de descrever a realidade e encontrar a verdade, maior também será a nossa capacidade de a falsificar.
O homem é um ser dualista que apesar de buscar a verdade, tem a lenda, a fantasia, a imaginação, a realidade virtual, etc; como escapes de compensação quando a verdade é incómoda. Também cada um deseja conhecer o máximo possível a realidade, mas não a descreve totalmente, porque isso significa perda de poder. O poder é um dos maiores desejos humanos, que é conseguido com armas, A linguagem é uma arma que dá poder quer seja usada como verdade, quer seja usada como mentira.
Uma e outra, verdade e mentira, existirão sempre e enquanto existir linguagem e o homem para a usar.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mentalidade

MENTALIDADE


A mentalidade é o sistema operativo do nosso cérebro. É o que põe a funcionar todo o nosso corpo. À medida que vamos vivendo vamos introduzindo dados no nosso cérebro. Primeiro independentemente da nossa vontade, pela natureza, pelos nossos pais, educadores e professores, sendo estes primeiros dados os primeiros influenciadores da nossa forma de pensar.
Da mesma forma que os programas informáticos só funcionam num computador se este tiver os requisitos mínimos exigidos por esse programa, também a nossa mentalidade só se desenvolve normalmente se o nosso corpo/cérebro não for deficiente, caso contrário, só se desenvolve conforme este permitir.
As grandes diferenças entre um computador e a mente humana são a capacidade e a subjectividade. Nenhum computador por mais sofisticado que seja alcança a capacidade infinita da mente quanto à sua globalidade, apesar de a ultrapassar em alguns aspectos. E nenhuma mente, por mais simples que seja pode ser reproduzida. A mente humana é signi-ficativamente superior aos sistemas operativos artificiais, e é única e exclusiva de cada pessoa.
Durante toda a vida, vamos processando a informação que vamos recebendo a partir de três fontes: da natureza e de todo o ambiente natural que nos envolve; da sociedade e principalmente de todos aqueles com quem interagimos; e da nossa própria experiência pessoal.
Destas três fontes recebemos continuadamente informação que vai influenciar o nosso modo de ser, de pensar e de agir. A nossa mentalidade é então, tendo em conta todo o passado que nos influenciou, a nossa maneira de estar, a forma como pensamos e como agimos perante todas as situações que se nos apresentam na vida.
A mentalidade é completamente subjectiva e diversificada, e apesar da vida em sociedade exigir um certo grau de normalização mental, não há duas pessoas iguais. Mentalmente somos todos muito mais diferentes que fisicamente. Esta diversidade, e impossibilidade de controlo e acesso à mente de cada um por parte de terceiros, possibilita uma liberdade que pode traduzir-se em predisposições e acções completamente impossíveis e inexplicáveis para os outros, e que podem ser intoleráveis ou glorificáveis.
Ao agirmos perante uma situação real e concreta, ou pensamos antes de tomar decisões e de as pôr em prática, e agimos de acordo com a nossa consciência, com o uso da razão, conhecendo as causas e consequências das nossas decisões, ou agimos inconscientemente, sem pensarmos como e não imaginando as consequências das nossas acções. Estes dois modos diferentes de agir, e a sua fusão relativa espelham a mentalidade em cada pessoa.

sábado, 13 de novembro de 2010

Memória

MEMÓRIA


A memória humana entende-se facilmente se soubermos como funciona a memória dos computadores. A diferença entre o computador e o homem está na capacidade.
No computador a memória é limitada e conhece-se quanta está ocupada e quanta está vazia. No homem a memória é ilimitável e não há memória vazia. Apenas há memória preenchida e a capacidade limite é a capacidade do cérebro. No estado actual do conhecimento não se sabe qual a capacidade do cérebro.
A memória de cada indivíduo está dividida em duas partes. Uma parte grande que é inconsciente e uma parte pequena que é consciente.
A memória inconsciente contém todos os dados que os nossos sentidos registaram desde o nosso nascimento — tudo o que vimos, tudo o que ouvimos, tudo o que sentimos, tocamos, cheiramos, saboreamos, e tudo o que soubemos e já nos esqueceu. Contém ainda todas as ideias, planos, sonhos e fantasias que tivemos no passado. Esta memória inconsciente é ilimitada. O limite dela é o limite do tempo de vida. Uma pessoa que tenha setenta anos de tempo de vida passa setenta anos a registar dados inconscientemente, mesmo a dormir.
A memória consciente contém todos os dados que recebemos e criamos da mesma forma que a memória inconsciente, mas que não esquecemos, e pelo contrário, nos são úteis, nos ajudam diariamente contribuindo para a nossa vida quotidiana, nas nossas relações com os outros, no trabalho, escola, família e lazer, e nas nossas relações connosco próprios, fazendo parte desta memória consciente toda a nossa personalidade, o que somos, quem somos, em que acreditamos, e quais são os nossos valores e ideais de vida. Desta memória faz parte também toda a nossa história passada que recordamos.
Na memória inconsciente encontra-se todo o nosso passado esquecido e na memória consciente encontra-se todo o nosso passado que recordamos. O consciente e o inconsciente fazem ambos parte da memória e por isso estão em interligação constante. Constantemente estão dados a passar do consciente para o inconsciente e vice-versa. Esta passagem é por si inconsciente ou autónoma, apesar de poder ser influenciada conscientemente – nós podemos tentar esquecer ou recordar algo, mas nem sempre o conseguimos — depende da força existente entre o consciente e o inconsciente.
A memória inconsciente engloba todos os dados que passaram pelo consciente juntamente com os que entraram directamente para o inconsciente.
A memória consciente apenas engloba os dados que foram registados conscientemente, embora alguns tenham origem no inconsciente.
Ao contrário da memória inconsciente que é ilimitada — apenas limitada pela vida — a memória consciente é limitada, mas não se sabe quais os limites, pois serão os limites do cérebro que depende de pessoa para pessoa.
A memória consciente está em correlação com todas as outras funções do cérebro — pensamento, raciocínio, etc. — assim, a capacidade do cérebro pode-se esgotar se a entrada, transformação, e saída de dados for excessiva. Como num computador, pode atingir o limite. A memória é a base do cérebro. Todos os dados com que o cérebro funciona estão na memória, consciente ou inconscientemente. Se a memória falhar, por acidente cerebral, ou por desorganização nos dados da memória consciente por excesso de novos registos ou excesso de dados vindos do inconsciente que a memória não consegue registar conscientemente, acontecerá uma espécie de confusão ou engarrafamento cerebral do qual resultam muitas das patologias psicológicas.
A memória funciona biologicamente por tensões eléctricas existentes entre e nas células cerebrais. Para funcionar perfeitamente é necessário que todo o corpo físico do cérebro, e dependentes — sistema nervoso, endócrino, sanguíneo... — e todo o corpo em geral, esteja saudável.
A memória inconsciente apenas se reconhece conscientemente, embora se manifeste muitas vezes sem ser reconhecida — por exemplo, quando a nossa expressão facial contradiz o discurso sem nos apercebermos.
Como nos computadores, a memória consciente seria a memória usada no processamento de informação — memória activa e que consome energia — e a memória inconsciente seria todo o armazenamento acumulado. Alguns autores defendem a existência de uma memória colectiva inconsciente, pela qual cada um terá acesso, inconscientemente, a tudo o que existiu, existe e existirá — nada o provou.
A nossa memória compreende-se entre o totalmente consciente — como o nosso nome que sabemos sempre — passando pela fase conjunta de consciente-inconsciente, onde há registos que estão em permanente mutação, até ao imenso inconsciente onde estão todos os registos que nós nem sabemos que temos.
Todo o vastíssimo conjunto de dados registados na nossa memória, quer consciente quer inconsciente, serve também como base de todo o nosso ser, que pela consciência, pela personalidade, pelo pensamento, e pelo sentimento humano, nos define como seres superiores perante todos os demais seres vivos.
O ser humano, animal racional, através da memória consciente obtém a consciência. Só com consciência se pode raciocinar. A memória inconsciente depreende a irracionalidade. Uma e outra, memória consciente e memória inconsciente, sincronizadas com as doses que a natureza exige, formam um todo imprescindível à condição humana.
A memória em si são registos do passado, mas é com estes registos que nós para além de recordarmos o passado, vivemos o presente e projectamos o futuro.

sábado, 9 de outubro de 2010

Medo

MEDO


O medo é a nossa luz vermelha. O nosso sinal de perigo. O sinal, que nos avisa que para além de determinado ponto — aquele em que o sentimos — está o desconhecido que pode ser perigoso.
O medo é uma herança biológica, está no nosso corpo e no nosso sangue da mesma forma como está nos outros animais. Mas devido ao nosso racionalismo, que cria interpretações culturais de todas as existências biológicas, o medo transformou-se num grande factor de organização social.
O medo alerta-nos sempre que atingimos um espaço que nos é desco-nhecido. Instintivamente é activado em nós um mecanismo de defesa, através do sistema nervoso, cujas alterações sensório-¬motrizes, imediatamente nos fazem actuar no sentido de nos protegermos ou defendermos.
Paramos sempre — excepto se o nosso movimento for superior à nossa capacidade de parar, e ai, ou caímos no acidente, ou respiramos de alivio — e observamos o que nos surge. Ou reconhecemos e avançamos; ou não reconhecemos e recuamos ou evitamos; ou sem alternativa, avançamos com cuidado à medida que vamos descodificando — corremos o risco, mas avançamos no desconhecido.
O medo apenas serve para nos protegermos dos perigos, garantindo a nossa sobrevivência e a preservação da espécie — pura natureza — mas para os humanos, cuja capacidade de raciocinar tudo alterou, o medo funciona também no campo teórico, em que, apesar das regras serem as mesmas, o envolvimento em que elas são aplicadas é muito mais complexo.
O medo psicológico é um medo que não nasce connosco, que não é importado pelos genes. É um medo que é criado na nossa mente através daquilo que aprendemos. E aquilo que aprendemos é acima de tudo aquilo que os outros nos querem ensinar. Porque nós só sabemos que podemos ter opções quando os outros nos ensinarem tal — a liberdade só existe porque alguém teve a nobre coragem de a ensinar (esperemos que não seja esquecida!).
O medo psicológico causa em nós as mesmas reacções biológicas. Temos as mesmas sensações e actuamos da mesma forma, protegendo-nos. A grande diferença é que o medo psicológico, como pode ser ensinado, pode ser falso. Nós podemos viver a vida inteira com medo de uma coisa que pode ser falsa, que não existe.
O medo é assim usado por uns para se sobreporem a outros, sendo um dos factores predominantes nos jogos de poder. O ciclo que se gera torna os mais ousados, que sem medo saltam no desconhecido, mais poderosos para dominarem os menos ousados, que com medo se protegem nas suas conchas falsas, tornando-se vicioso e ilimitado. Existirá pelo menos enquanto o desejo de poder de uns sobre os outros existir.
O facto de sentirmos medo não significa que estamos perante o perigo, mas sim perante o desconhecido, que pode ser perigoso ou não. À medida que vamos avançando no desconhecido vamos perdendo o medo porque vamos eliminando o perigo, eliminando-o realmente se ele existir, ou eliminando a hipótese dele existir quando não existe. Assim, o medo que sentimos perante o desconhecido, justifica-se pelo facto de não sabermos se o desconhecido é perigoso ou não, e hipoteticamente todo pode ser perigoso.
O perigo existe tanto no desconhecido como no conhecido. Simples-mente no conhecido evita-se ou protege-se (a alta voltagem fulmina-nos, mas usada com regras é-nos muito útil). E no desconhecido, como não sabemos o grau de perigosidade que pode existir, não o podemos evitar ou proteger. Só evitamos um acidente porque não sabemos o que dele pode resultar, e que nos pode ser fatal. Se conhecêssemos todas as consequências de um acidente, não teríamos medo dele, e naturalmente deixaria de ser um acidente, ainda que fosse a coisa mais absurda.
Assim, o medo só existe porque nós não conhecemos tudo. O conhecimento — psicológico — ou a experiência – instintiva — são os antídotos contra o medo. Mas o medo existirá sempre porque nós nunca teremos o conhecimento e experiência de tudo, porque continuamos permanentemente a nascer, e a morrer.